segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Poema "Mar Português"









Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma nao é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Fonte: Manual Página Seguinte 12º ano, Texto Editores

Poema "Horizonte"














Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
'Splendia sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa -
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstracta linha.

O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp´rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte -
Os beijos merecidos da Verdade.

Fonte: Manual Página Seguinte 12º ano, Texto Editores

Texto de apoio ao poema "O Infante"

"O mar foi descoberto; o império português de quinhentos fez-se e desfez-se. Mas a missão divina de Portugal de que Deus incumbiu os Portugueses, através do Infante D. Henrique, ao sagrá-lo e ao sagrar-nos a nós nele, essa está por cumprir. Mas como esse é o destino manifesto de Portugal, cumprida será quando chegar a "hora", porque essa é a vontade de Deus.
O último verso - "Senhor, falta cumprir-se Portugal !" - é uma prece e uma queixa, ao mesmo tempo: uma prece para que o Quinto Império venha; uma queixa pela demora desse advento."

António Cirurgião, in O Olhar Esfíngico da Mensagem de Pessoa, ICALP

Poema "O Infante"

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

 Fonte: Manual Página Seguinte 12º ano, Texto Editores

Excerto de António Quadros

            "No segundo andamento, com o título de Mar Português [constituído por doze partes correspondendo cada uma delas a um poema], Pessoa quis dar-nos uma radiografia, simultaneamente épica e dramática, do que foi a grandiosa, contudo dolorosa Possessio maris[1] (epígrafe desta II parte). (…)
            Se é este segundo andamento que mais afirma a missão cumprida, como missão divina, é também nele que se nos lembra o seu preço, terrível preço do favor divino, que não é favor aos homens em seu egoísmo ou seus interesses, mas nomeação para o sofrimento em nome da redenção futura, da redenção universal, no paradigma de Cristo. E o tema de um dos mais belos e decerto o mais pungente poema da Mensagem, o que principia Ó mar salgado, quanto do teu sal/ São lágrimas de Portugal?/ Por te cruzarmos, quantas mães choraram,/ Quantos filhos em vão rezaram?/ Quantas noivas ficaram por casar/ Para que fosses nosso, ó mar?
            O poeta interroga: Valeu a pena? E responde, num protesto contra o egocentrismo ou o materialismo burguês satisfeito dos que só pensam em si próprios, retrato talvez do Portugal de hoje, que Fernando Pessoa precisamente quis esconjurar: Tudo vale a pena/ Se  a alma não é pequena."

Fonte: António Quadros (introd., org. e bibliog.), in Mensagem e outros poemas afns,
Publ Europa-América, 1990 (texto adaptado e com supressões)



[1] Possessio maris: [lat.] posse do mar.

Poema "Ulisses"

O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo –
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.
Este que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.
Assim a lenda se escorre
A entrar nas realidade,
E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.
Fonte: Manual Página Seguinte 12º ano, Texto Editores